sábado, 3 de julho de 2010

Onde começa e termina a arte?????????????

Fala aí galera, eu estava lendo a revista ilustrar número 16 apreciando as várias divertidas e construtivas entrevistas com artistas nacionais e internacionais, quando me deparei com a coluna do ilustrador Renato Alarcão que me lembrou muito alguns questionamentos pessoais e até discussões que tive muitas vezes com pseudo artistas (eu digo isso mas eu sei que não sou artista também, por isso não admito que um bando de imbecis se vangloriem de coisas muito além de suas capacidades) "intelectuais" sobre a sua superioridade artística acima das artes gráficas visuais que são desde ilustrações para livros infantis até revistas em quadrinhos.
Não vou ficar comentando muito sobre a reportagem por isso é melhor vocês lerem.

OBS: A revista ilustrar é online e totalmente grátis, quem tiver o interesse de ler o que faz muito bem é só acessar o site http://www.revistailustrar.com/download.html.





Rockwell Nunca Andou na Bicicleta de Duchamp
por Renato Alarcão

Na biografia “My Adventures as an Illustrator”, o artista Norman Rockwell nos conta, dentre muitos causos, sobre um devaneio seu: poder encontrar-se com Rembrandt, Dürer, Vermeer e outros mestres, para com eles confabular de igual para igual e dizer “vejam, companheiros, este é o meu trabalho, o que acham?”.
Alguns diriam, “como se atreve um mero ilustrador colocar-se lado a lado como colega de ofício de figuras tão lapidares na história da arte?”
Todo mundo sabe quem foi Norman Rockwell. Além de ter retratado o lado idílico e açucarado do American Way, ele foi também um dos mais bem-sucedidos ilustradores da história. Não falo do dinheiro que ganhou, mas sim do poder de comunicação e da empatia que seu trabalho conquistou com o público. Para se ter uma ideia, toda vez que a revista Saturday Evening Post encomendava uma capa dele, o diretor de arte tinha que ligar para a gráfica para alertá-los: “tratem de encomendar mais papel pois vem aí uma edição com capa do Rockwell!”. E assim, a tiragem que normalmente já era colossal – em torno de 1 milhão de exemplares – precisava ser ampliada em mais 250 mil cópias.
Há mais histórias na biografia do sujeito. Na época da Segunda Grande Guerra, Rockwell já estava um tanto velhinho para alistar-se e, embora quisesse muito ajudar o Tio Sam, estava fora de cogitação para ele pegar em armas. Resolveu então colaborar com o esforço patriótico fazendo o que sabia de melhor: ilustrar. Assim, sua série “The Four Freedoms” surgiu inspirada em um discurso que o presidente Roosevelt havia proferido no congresso em 1941, destacando os 4 pilares da sociedade americana, todos apoiados na ideia de liberdade. As 4 ilustrações de Rockwell foram então impressas em posters e seus originais viajaram o país de ponta a ponta em diversas exposições, numa empreitada que levantou mais de 130 milhões de dólares em vendas de “bônus de guerra” para o governo (os chamados “war bonds” eram papéis vendidos à população para financiar os gastos com a missão bélica dos EUA na Europa).
Rockwell dizia que, desde o princípio, sempre desejou ser um contador de histórias por imagens, um artista popular cujo trabalho atingisse um grande número de pessoas através dos meios de reprodução gráfica. Não se importava com o fato de que alguns artistas tentassem diminuir a importância do seu ofício. O argumento dos detratores depreciava a ilustração por obrigar seus artistas a trabalharem dentro de limitações como prazos, temas encomendados, a premissa de satisfação do cliente e, finalmente, por ser uma arte com o objetivo de comunicação com a massa. Já desde aquela época pretendia-se adjetivar a ilustração como o “primo pobre nas artes visuais”.
Durante um bom tempo, o pior dos mundos para um artista plástico era ter seu trabalho rotulado de ilustração. O termo era visto como altamente pejorativo e, no caso dos artistas que optassem pela veia figurativa, ser chamado de ilustrador era ter cocô de cachorro na sola dos sapatos da sua reputação. Um exemplo marcante disso é o que ocorreu com o artista Andrew Wyeth (filho do legendário ilustrador N. C. Wyeth), quando veio à tona sua belíssima série “Helga”, um verdadeiro tesouro da arte realista americana. Levado à capa de uma grande revista de arte, o rosto do artista tinha ao redor de si a manchete “Andrew Wyeth: gênio ou ilustrador?”. Mas por que tamanha aversão a nós? As respostas podem ser muitas, e variam da mera suposição à mais clara certeza.
E é natural que junto com nossas mais profundas reflexões sobre estes porquês surjam borbulhações de ironia, humor e até indignação (creio que você também já deve ter vivenciado este fenômeno).
Afinal, por que hoje somos, criamos e pensamos de modo tão diferente dos chamados artistas plásticos?
Uma ida às galerias, museus e bienais para conferir o que se apresenta como manifestação da pós-modernidade, da contemporaneidade e seus mil “novonovismos” (sempre endossados por
tratados escritos em linguagem hermética), é uma curiosa experiência. Fica nítido o fosso que nos separa daquele universo. As obras, em sua quase totalidade, parecem ignorar tudo o que busca um ilustrador com seu trabalho: comunicar-se, estabelecer empatia, atrair o olhar, suscitar reflexões, manifestar ideias, registrar o caldo cultural em que estamos imersos etc. (notem que
não listei “busca pelo belo”, ideal que, particularmente, acho uma besteira).
E pensar que, lá atrás no tempo, caminhávamos lado a lado e fraternalmente a mesma estrada e podíamos até ser igualmente chamados de “artistas”.
O que estou fazendo aqui? Grito não somente que o rei está nu, mas também que está a rolar escadas abaixo (em clara referência ao quadro que Marcel Duchamp pintou em 1912 “Nu descendant un Escalier nº2”). Há aqui também uma certa ousadia de minha parte ao querer costurar Duchamp e Rockwell num mesmo artigo.
Vejamos como isso evolui… Marcel Duchamp foi um exímio jogador de xadrez e, talvez poucos se lembrem que no início de sua carreira foi também cartunista.
Notem que interessante, trago aqui alguns ingredientes importantes que compuseram essa figura emblemática na história das artes plásticas: o talento para o blefe e a inclinação para o humor e a paródia!
Para encurtar uma longa história (e também refrescar nossas memórias), foi Marcel Duchamp um dos precursores da arte conceitual, quando criou os chamados “ready made”. A ideia consistia basicamente em “adotar” inocentes objetos do cotidiano, acrescentar a eles novos elementos, e finalmente inseri-los em um novo contexto, desta vez imbuídos de uma aura de “obra artística”. Foi assim com a roda de bicicleta sobre o banco, de 1913, seu primeiro ready-made. Outros vieram depois: em 1914 uma escultura era composta basicamente de um escorredor metálico de copos, e em 1915, uma simples pá tornouse arte ao ganhar a assinatura de Duchamp e o título “In advance of the broken arm”.
Duchamp foi também o artista que primeiro fez uma intervenção (palavra em moda hoje
em dia), ao colocar um bigode na Monalisa (obra entitulada “LHOOQ”). Mas talvez a mais célebre obra desta série tenha sido “Fountain”, um urinol de louça apresentado em 1917 na exposição dos independentes, em Nova York. Como conhecido membro do juri daquele evento, Duchamp preferiu inscrever sua “escultura” sob o pseudônimo R. Mutt. A obra foi aceita e o resto é história. Uma história que aliás vem se repetindo exaustivamente na arte dita contemporânea, tal qual uma piada que, ao ser contada repetidamente, já não provoca mais qualquer reação: se tudo pode ser arte, o nada também pode ser arte.

“Joguei o urinol na cara deles como um desafio e agora eles o admiram como um objeto de arte por sua beleza estética”, disse Marcel Duchamp em carta ao Dadaísta Hans Richter.

Duchamp escancarou as portas para um monte de novidades que vieram na sequência de suas invenções, algumas tão entediantes quanto uma fila de banheiro. Cabe aqui dizer que muitas eram literalmente uma merda. Falo de obras como“Merda d’artista” a célebre latinha produzida por Piero Manzoni e adquirida pela Tate Gallery por 22.300 libras (façam as contas: cada grama de seu conteúdo custou 745 libras!). Décadas à frente surgiu outra delas, “Cloaca”, obra do artista belga Win Delvoye, que investiu 200 mil dólares para criar uma máquina de 11 metros de comprimento por 2 de altura cuja façanha é somente produzir merda industrialmente (e cada saquinho de cocô que dela sai é vendido por 1.000 dólares – segundo dados de 2003). O rastro fedido espalhou-se até o Brasil: no mais recente Salão de Artes de Natal (RN), um artista colocou-se nu na galeria e, de quatro, retirou um crucifixo de dentro de seu ânus. Em depoimento disse que estava “descolonizando” seu corpo. Senhores, francamente… parem de fazer mau uso da palavra “artista”. Não quero ser confundido com um de vocês!
Nós, ilustradores, temos muito do que nos orgulhar. Não estamos buscando novidades vãs que venham a nos colocar em situações ridículas. Somos herdeiros não somente de uma tradição que nos legou o conhecimento do desenho da figura humana, da perspectiva, do chiaroscuro, das teorias da cor e das técnicas clássicas de pintura, mas também da experiência das vanguardas (impressionismo, art nouveau, expressionismo, dadaísmo, modernismo, fauvismo, construtivismo, pop art etc.), dos experimentos da colagem, da fotografia, do cinema, da música, do teatro e de absolutamente tudo o mais que veio antes e depois. Não somos guiados pela ideia de que para construir o presente e o futuro precisamos destruir o passado, pois tudo pode nos servir de inspiração e influência.
A prova disso está em qualquer bom catálogo de ilustração: o DNA de todos os períodos da história da arte parece estar representado ali de uma forma ou de outra.
Acredito que todo este caldo de influências – o que é bom e até o que é ruim – pode e deve incorporar-se à nossa bagagem cultural para assim fazer do conteúdo do nosso trabalho algo mais rico, um forte alicerce para nossa missão de criar imagens que comuniquem, informem, eduquem, emocionem, instiguem, enfim, que toquem as cordas da percepção do nosso semelhante.
Convido a todos, portanto, estudantes e profissionais da ilustração, a manter olhos abertos, filtros ativos e cérebro de esponja, pois sempre há muito o que aprender, tanto nas cavernas de Lascaux, quanto nos bezerros fatiados de Damien Hirst. Sejamos respeitosos, críticos ou satíricos, mas sobretudo preparados técnica e intelectualmente para defender nossos pontos de vista e, se preciso for, defender nossa arte de quem quer que ouse chamá-la de “menor”.

Créditos:
Texto e ilustração copiados da coluna nacional da REVISTA ILUSTRAR 16
Ilustração Tiago Lacerda - http://el-cerdo.blogspot.com/

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